Amar sem Amarrar (Richard Simonetti)

Perguntaram-me o que podemos fazer por familiares desencarnados, que saibamos não preparados para enfrentar o retorno à vida espiritual. Três iniciativas são básicas.

Oração. É um refrigério para as almas, aquelas que se situam perplexas ante as realidades espirituais que insistiram em ignorar no desdobramento de suas experiências. Quando oramos pelos desencarnados, não só os beneficiamos com vibrações balsamizantes, como evocamos, em favor deles, a assistência dos amigos espirituais.

Serenidade. Os recém-desencarnados permanecem em estreita sintonia com os familiares e são muito sensíveis às suas vibrações. O desespero, a revolta, a inconformação, não apenas colocam em dúvida nossa crença, como atingem os que partiram, exacerbando suas perplexidades e sofrimentos.

Normalidade. Se após sofrer a amputação de um braço ou perna, num acidente, alimentamos indefinidamente o sentimento de perda, inconformados, fatalmente estaremos resvalando para indesejáveis estados de depressão e desequilíbrio. A morte de um ente querido é uma amputação psicológica. Sentiremos falta, tanto maior quanto mais fortes os elos do amor, mas é preciso que nos habituemos a viver sem ele, conscientes de que devemos seguir em frente, em nosso próprio benefício. Sem esse empenho, fatalmente nos desajustaremos, com reflexos negativos no ânimo daquele que partiu.
***

Não raro, ao invés de o desencarnado perturbar o encarnado de quem se aproxima, carente e sofrido, ocorre o contrário. Pode parecer inusitado, amigo leitor, mas a Doutrina Espírita nos fala de obsessões de encarnados sobre desencarnados.

Lembro-me de Roberval, modesto servidor público, pai de três filhos, casado com Ifigênia, mulher de bons princípios, preocupada com a família, mas extremamente apegada ao marido, amor possessivo.

Era Roberval pra cá, Roberval pra lá, em efusões amorosas extremadas que acabavam por aborrecê-lo, tirando-lhe a liberdade. Não fosse a sua índole pacata e haveria sérios conflitos entre eles. Se o mel é demais, fatalmente enjoa.

Quando Roberval desencarnou, repentinamente, vitimado por um enfarto, foi um transtorno para Ifigênia. Não se conformava com a morte do bem-amado, razão de sua existência. Lamuriava-se em oração, questionando os desígnios divinos.

E chamava pelo marido. – Ah! Roberval, onde anda você, minha vida?
E, dia e noite, continuava a história do Roberval pra cá, Roberval pra lá!
Não dava sossego para o pobre marido, mesmo depois de morto, porquanto suas vibrações o atingiam em cheio, reclamando sua presença, convocando-o ao lar.

Tanto se perturbou que os benfeitores espirituais decidiram interná-lo em nova encarnação. Foi a solução para livrá-lo da pressão desajustada da esposa inconformada. Atendendo à afinidade e à disponibilidade, ele reencarnou como filho de sua filha. Por sugestão insistente de Ifigênia, deram o nome do avô à criança. Roberval reencarnado recebeu o mesmo nome. Como a jovem mãe tinha compromissos profissionais, decidiu confiar a criança à avó, enquanto ausentava-se. Pobre Roberval! O dia todo se via às voltas com os excessivos zelos de Ifigênia, agora sua avó. Roberval pra cá, Roberval pra lá!

Amor que amarra é egoísmo. É preciso amar sem prender. Ótimo quando agimos assim. Nossos amados partem em paz. Em paz ficamos nós.

Oportuno lembrar, a propósito, o notável poema Amor, de Khalil Gibran:

Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.
Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.
Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.
Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres, mas deixai cada
um de vós estar sozinho.
Assim como as cordas da lira
são separadas e, no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração, mas não o confieis
à guarda um do outro.
Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.
E vivei juntos, mas não vos
aconchegueis demasiadamente.
Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.
E o carvalho e o cipreste não crescem
à sombra um do outro.

Por Richard Simonetti


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