O porquê do espiritismo no Brasil (Victor Hugo - Divaldo Franco)

Quando se estruturava a programática da reencarnação do Missionário Allan Kardec, em Lyon, na França, como Embaixador do Cristo, para dar início à Era do Espírito Imortal, considerando-se as tarefas que ali desenvolvera, dezenove séculos atrás, na condição de sacerdote druida, tiveram em mente, os Instrutores da Humanidade, eleger Paris para tal advento, levando-se em conta o elenco dos obreiros da latinidade que o acompanhariam, antecipando-o e dando prosseguimento ao extraordinário acontecimento.

Graças às vivências anteriores, em que amadurecera as experiências relevantes e acurara a sabedoria, mártir, mais de uma vez, sacrificado em holocausto dos ideais humanistas, filosóficos e cristãos, Allan Kardec mergulharia na densa névoa carnal, após a França retirar dos ombros a hegemonia política dos Bourbons, quando as aspirações máximas da humanidade, que a revolução de 89 viera implantar, abrissem campo aos supremos anseios da felicidade.

Nenhuma país reunia condições, naquele momento histórico, que pudessem rivalizar com as ali conquistadas, e lugar algum, exceto Paris, dispunha dos requisitos culturais e tradições da inteligência para o tentame ímpar.

En douceur (1), os gênios benfeitores do homem estabeleceram que a França, mais uma vez, hospedaria o Missionário, a fim de que dali partissem, pulcras e imbatíveis, as diretrizes para o pensamento em relação ao futuro.

Laboratório de ideias que fermentavam ante a força dos elementos em debate, estavam presentes, então, todos os recursos para a avaliação dos conceitos expostos, no momento em que a Ciência, libertando-se das algemas dogmáticas e dos preconceitos do magister dixit (2), alicerçava os seus fundamentos na insuperável linguagem dos fatos testados nas experimentações incessantes.

Ao mesmo tempo, a Filosofia arrebentara os grilhões das escolas ancestrais e abria campo a novos cometimentos, aliando-se, no futuro, ao materialismo dialético, histórico e mecanicista, num afã de destruir o passado para edificar o futuro em bases inteiramente descomprometidas com quaisquer vinculações precedentes.

Nesse ínterim, a Religião, dividida em ortodoxias, rivais que se digladiavam reciprocamente, apresentava a paisagem desvitalizada do Cristianismo, numa Instituição formal e de superfície, que em nada recordava o Revolucionário do Amor, que libertara as consciências para um reino sem fronteiras, onde pudessem viger a fraternidade sem limite e a paz sem qualquer convulsão.

As idéias, em consequência, nesse campo de batalha, muitas vezes nasciam ao amanhecer, envelheciam ao meio-dia e morriam à noite, sepultadas, logo depois, nos jazigos do esquecimento.

"Melhor ser vaiado em Paris - afirmava-se, então - e no mundo inteiro ignorado, do que aplaudido em toda parte, mas, em Paris, desconhecido."

Não era jactância, nem presunção, e sim o retrato vivo de uma cidade que se sabia iluminada, de um povo ateniense que a habitava consciente das próprias conquistas. C'est tout dire (3).

Ora, esperava-se que o impacto de uma ciência nova, de cujos alicerces ressumasse um conteúdo filosófico, no barátro das escolas de pensamento as mais proeminentes, deveria ser amortecido pelo choque decorrente do atrito com as demais áreas ideológicas, conforme havia sucedido antes e acontecia continuamente. Isto, porém, não se deu em relação ao Espiritismo.

Incontestado na sua origem - o fenômeno da imortalidade da alma, confirmado através da comunicação mediúnica -, porque todas as contradições que se levantaram careciam de estrutura experimental e as aguerridas acusações de que padecera resvalavam pela rampa do fanatismo, religioso ou do materialista sem os subsídios dos fatos, sobreviveu, adquirindo cidadania científica.

Concomitantemente, o seu contexto filosófico, remontando às mais antigas doutrinas do reencarnacionismo oriental, do pitagorismo e do idealismo grego, constitui a única forma cultural de compreender Deus e a origem da vida, o homem e as causas das aflições, o destino e a finalidade do ser na Terra...

Ao mesmo tempo, afirmando que Jesus é o "Ser mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para servir-lhe de Modelo e Guia"(4), ressuscita a Sua Doutrina, em toda a sua grandeza moral, cujos princípios dividiram a História, trazendo as linhas mestras do comportamento ético-social do indivíduo em relação a Deus, a si próprio e ao seu próximo.

Resistindo a todas objurgatórias, assim como demonstrando-as falsas, o Espiritismo venceu os acanhados dom-quixotes das lutas inglórias e saiu dos arraiais sitiados onde parecia submetido, para ganhar as léguas do mundo...

Religião do amor, empreendia a batalha da transformação do mundo por meio da renovação e aprimoramento ético do homem, que se utiliza do progresso intelectual para adquirir o moral, definitivo, religando, em perfeita união, o Criador à Sua criatura.

Quando Allan Kardec desencarnou, a Doutrina permaneceu e firmou os seus pilotis no cerne da cultura adversa que, lentamente, o absorveu e aceitou, face ao desempenho dos seus adeptos e à fortaleza dos conceitos apresentados, que decorrem da demonstração experimental, resistente a quaisquer suspeitas e indisposições adredemente estabelecidas.

Entretanto, quando se organizavam os roteiros para o advento do Consolador na Terra, mediante a Doutrina Espírita, os abnegados e sábios Mentores da França foram informados de que ali se iniciaria o programa, que, todavia, se iria fixar, por algum tempo, em outro país, de onde se dilataria, abraçando todo o planeta ao largo dos séculos...

A alma francesa contribuiria com o tesouro cultural para os primórdios da "fé raciocinada", contudo, seria num continente jovem, num povo em formação, no qual se caldeavam raças e caracteres, que mais ampla e facilmente se desenvolveria, especialmente, levando-se em conta a falta de carmas coletivos naquela nacionalidade.

A França, onde renasceram os atenienses, estava assinalada por glórias e misérias, guerras externas e lutas intestinas que lhe não permitiriam, por enquanto, a dilatação dos ensinamentos cristãos nos enfoques da vivência moderna, demonstrando moralmente a grandeza do Espiritismo.

Desse modo, tão logo estivesse implantado o ideal espírita, seria trasladada a árvore evangélica, de cuja seiva a ciência se sustentaria para os arrojados cometimentos futuros e em cuja filosofia racional as criaturas se nutririam, adquirindo o vigor para as existências enobrecidas.

O Brasil, porque destituído de débitos coletivos mais graves, houvera sido escolhido para esse segundo período da realização e crescimento espiritista.

Sem comentar os acontecimentos de menor gravidade histórica, a escravatura negra e a guerra do Paraguai pesam-lhe na economia evolutiva.

A primeira, como herança dos colonizadores, que a Princesa Isabel encerrou, mediante a Lei Áurea, e a segunda, a nação, no futuro se reabilitaria, por meio de inestimável auxílio ao progresso do país irmão, que lhe fora vítima, após a provocação perpetrada pelo seu então ditador Rosas...

Convencionou-se, desse modo, que muitos franceses fossem transferidos, em Espírito, para as terras novas, a fim de receberem a Doutrina, oportunamente, quando para o Continente americano do sul fosse transportada.

Esse acordo precedeu ao renascimento de Allan Kardec, em Lyon, que anuíra de boa mente com o estabelecido.

Sem embargo, porque na psicosfera da nacionalidade francesa permanecessem dezenas de milhares de revolucionários frustrados, infelizes, vitimados pela arma de José Guillotin, que os ventres das mulheres aturdidas se negavam a receber em maternidade redentora, assim abortando em larga escala, foi concertado que o Brasil receberia esses Espíritos sofridos, de modo a auxiliá-los no processo da evolução, reparando as faltas e ajustando-se ás linhas do progresso intelecto-moral, ao mesmo tempo que contribuiriam para a fraternidade e a liberdade de consciência de que o Espiritismo se faz paradigma por excelência.

O método dialético e o cartesiano utilizados por Allan Kardec para estruturar a Codificação no cimento da lógica e do fato, exigem atenção e discernimento para de início serem penetrados.

Dessa forma, tão logo os reflexos doutrinários da Mensagem alcançaram as praias brasileiras da cultura, nos primórdios dos anos 60, do século XIX, a sintonia filosófica dos antigos revolucionários, dos lidadores da latinidade gaulesa, reencontrou o pensamento, de imediato adotando a sua ética e aceitando os seus postulados que, ao tempo que lhe falavam à mente arguta, sensibilizavam-nos, acalmando-lhes os sentimentos controvertidos e angustiados...

Não seja, pois, de estranhar-se a predestinação do Brasil para o labor espírita nem a sua aceitação ampla e profunda por todos os segmentos da sua sociedade desde o princípio, salvadas raras exceções.

Após a desencarnação de Allan Kardec, companheiros seus de lide e médiuns que cooperaram na realização da Obra colossal, retornaram ao corpo, na pátria brasileira, para darem continuação ao programa estabelecido com entranhada fidelidade aos postulados que exigem dedicação, renúncia até ao sacrifício, e fé estribada na razão.

Renasceram, portanto, em número expressivo, espíritas por segunda vez, alguns outros que conheceram a Doutrina antes do retorno ao corpo, a fim de promoverem a grande arrancada da divulgação e da realização doutrinária, capacitando-se a devolvê-la ao berço de origem e ao mundo, na mesma pureza e limpidez com que a herdaram do insigne Missionário.

Não que tudo transcorresse em clima de facilidade e mesmo de harmonia, porque onde se encontra o homem, aí se fazem presentes as suas paixões.

O trabalho se apresentava e prossegue gigantesco.

Faze derrubar velhas e arcaicas estruturas do comportamento ancestral, utilitarista e apaixonado, para dos escombros emergir uma nova mentalidade aberta à vida, que faculte espaços à solidariedade e ao amor, constitui um desafio dos mais expressivos. Ainda mais, se for examinado que muitos dos modernos trabalhadores da seara espírita são antigas personagens comprometidas com facções religiosas beligerantes, bem como partidos políticos exaltados, ora aprendendo disciplina e submissão, transferidas das posições relevantes para as de serviço, que o mergulho no corpo não pôde obnubilar completamente as anteriores impressões que lhes caracterizavam antes a conduta.

Penetrando no espírito do Espiritismo, ressumam, inevitavelmente, em todas as criaturas, as suas antigas predisposições, seja na área da informação científica, ou da filosófica, ou da religiosa. Todavia, na síntese perfeita em que se apresenta a Doutrina, como campo de harmonia desses três fundamentos do conhecimento humano, é que se expressa o conteúdo do Espiritismo que não pode nem deve ter dissociado nenhum dos seus membros.

Objetivando, porém, essencialmente, preparar o homem para a continuação da vida além do túmulo com todas as responsabilidades que lhe dizem respeito, é inevitável que a feição moral, rica de religiosidade, desperte-lhe os sentimentos superiores, plasmando-lhe a conduta evangélica, conseqüência natural da comprovação científica e da compreensão filosófica.

Outrossim, porque consoladora, alcança de imediato o ser perdido nos abismos do desespero, da angústia e da saudade, liberando-o dos tormentos, por atingir o âmago das questões que desencadeiam os sofrimentos e acenar-lhe com as esperanças felizes, mediante a ação do trabalho e a experiência auto-iluminativa da caridade. 

Eis por que os litigantes de ontem, os delinquentes do passado, que arrastam pelos séculos os caprichos e efeitos dos crimes, vieram reencontrar-se no pequeno burgo interiorano da comunidade brasileira, cenário novo para as lutas de redenção. Formavam no grupo dos que haviam sido transferidos, reencarnando-se ou não, para as plagas onde não tinham compromisso infelizes e poderiam com melhores probabilidades redimir-se, purificando-se no crisol das aflições que o encontra com o Espiritismo decantaria, na sucessão das experiências da evolução. 

Espírito: Victor Hugo;
Psicografia: Divaldo Pereira Franco;
Do livro: Árdua Ascensão.

(1) - En douceur = devagar, sem pressa; 
(2) - Magister dixit = expressão dogmática com que os escolásticos da Idade Média ofereciam, como argumento sem réplica, a opinião do mestre (Aristóteles), como também diziam os discípulos de Pitágoras. Modernamente, diz-se de todo chefe de escola, doutrina ou partido; pode, também, ser dita a expressão ipso dixit (grego: Autos ephe); 
(3) - C'est tout dire = É quanto basta; 
(4) - "Jesus é o Ser mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para servir-lhe de Modelo e Guia" - resposta dos Espíritos Superiores à pergunta 625 de "O Livro dos Espíritos".

Obs. do compilador: Fatos importantes são esclarecidos por Victor Hugo neste artigo. Todos personagens proeminentes (revolucionários e filósofos) que criaram as condições para as mudanças nos séculos 18 e 19, foram antigos atenienses reencarnados. Ele também afirma que Allan Kardec em encarnações anteriores havia sido mártir e sacrificado em holocausto (Em outras informações de Espíritos sabemos que Kardec havia sido Jan Huss).






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