Kardec, Marx e Pasteur

Por José Herculano Pires
 
Nasceram os três nos princípios do século passado. Allan Kardec em 1804, Karl Marx em 1818 e Louis Pasteur em 1822. O primeiro descobriu o mundo dos espíritos, o segundo as leis materiais da evolução social, o terceiro o mundo dos micróbios. Há entre eles uma curiosa relação ainda não estudada. Hoje, que o pensamento marxista exerce poderosa influência até mesmo nas áreas espirituais, convém tentarmos uma rápida apreciação do problema.

Há muita relação entre Marx e Kardec no plano social, porque ambos trataram especificamente do homem e sua vida no mundo, ou seja, da chamada questão social. Há uma rápida apreciação do problema e também muitas divergências, porque Marx nega e Kardec afirma a existência do espírito, sua sobrevivência e sua constante influência na vida social. Para Marx as questões espirituais são ilusórias e prejudicam o desenvolvimento social. Para Kardec essas questões são de importância fundamental.

Mas, qual a relação de ambos com Pasteur? É o que podemos chamar uma relação-chave. Pasteur se situa entre eles como uma espécie de chave histórica para a decifração do enigma social que hoje preocupa a muitos espiritualistas. A posição de Pasteur na descoberta do mundo invisível dos micróbios é muito semelhante à de Kardec na descoberta do mundo invisível dos espíritos. Os micróbios são para Pasteur o que os espíritos são para Kardec: “uma das forças da natureza”. E essas duas forças, cientificamente descobertas por ambos, exercem influência decisiva na medicina, campo de aplicação social das ciências.

Pasteur não negava as doenças nem a necessidade de curá-las, como Kardec não negou os males sociais e a necessidade de saná-los. Mas, a posição de Marx assemelha-se à dos médicos antimicrobianos que combateram Pasteur. Para eles só existem as causas materiais. Kardec revela outra coisa. A sociedade não é constituída apenas de corpos humanos, mas sobretudo de espíritos. E os espíritos encarnados estão em constante relação natural (não sobrenatural) com os espíritos desencarnados, que constituem a parte invisível da sociedade. A solução dos problemas sociais não está somente no campo material, pois as suas causas são essencialmente espirituais. Daí a necessidade da dinâmica da caridade (não como esmola, mas como vitória do homem sobre o egoísmo) para que o homem modificado possa dar origem a uma sociedade nova.

Acusar esta posição de omissa ou de mística é repetir o que fizeram os médicos antimicrobianos contra Pasteur. E é fechar os olhos a um aspecto importante da realidade, hoje mais do que nunca inegável: a de que a natureza humana é espiritual. Os problemas materiais decorrem da situação espiritual do homem. Um homem egoísta faz um mundo egoísta. Só um homem altruísta, capaz de ver a espécie humana e o mundo numa visão espiritual, numa perspectiva de evolução palingenésica, será capaz de criar um mundo realmente novo.

Este o ponto central da Sociologia Espírita. Como ensina René Hubert, pedagogo francês atual, caminhamos para a Republica dos Espíritos, para uma sociedade de consciências. Os espíritas não devem cruzar os braços diante do mundo, mas trabalhar intensamente para a modificação de si mesmos e da sociedade, substituindo a base egoísta da vida social por uma base altruísta. Sem essa substituição (que não se faz sem a modificação do homem), todas as transformações sociais serão simples tentativas para atingir um objetivo longínquo.

Texto publicado em Curitiba-PR, em 31 de outubro de 1969, com o pseudônimo de Irmão Saulo.

José Herculano Pires (1914-1979) , jornalista, poeta, filósofo, escritor e um dos maiores pensadores do espiritismo contemporâneo, é autor de mais de 80 obras sobre espiritismo, parapsicologia, educação, filosofia dentre outros temas.

Fonte: Editora Paidéia - www.editorapaideia.com.br


Biografia: José Herculano Pires




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